A Semiótica do Filme Inexistente: O Caso “Dark Horse” e o Ciclo das Fake News

Jim Caviezel

(Este não é um artigo político. É um estudo sobre narrativa, mídia e percepção.)

Boatos de cinema sempre existiram, mas alguns se tornam tão complexos que quase parecem roteiros prontos para as telonas. Foi o que aconteceu recentemente com a história de que Dark Horse, uma suposta cinebiografia de Jair Bolsonaro, estaria sendo produzida em Hollywood — com direito a direção de Cyrus Nowrasteh, produção internacional e até Jim Caviezel no papel do ex-presidente.

A narrativa se espalhou com a velocidade de um trailer viral. Sites, perfis e portais começaram a reproduzir a notícia, cada qual acrescentando um novo detalhe à trama. Mas havia um elemento ausente em todas essas versões: provas.

Neste artigo, vamos analisar o fenômeno não pela ótica política, mas pelo olhar da mídia, da semiótica e das estruturas que dão forma a uma mentira antes mesmo que alguém perceba que ela é uma mentira.

O Boato que virou Blockbuster

A ideia é sedutora: um filme hollywoodiano, com ator famoso, sobre um personagem altamente conhecido no Brasil. É exatamente o tipo de rumor que prende a atenção, principalmente quando envolve temas sensíveis, figuras públicas e narrativas heroicas.

Tudo começou com uma nota do Estadão, ainda sem elenco, sem produção confirmada e sem fontes nomeadas.
Semanas depois, versões expandidas surgiram em outros sites — agora incluindo Jim Caviezel, filho de Bolsonaro interpretados por atores estrangeiros e até uma “sinopse vazada”.

O rumor cresceu porque tinha a forma perfeita:

  • nome de filme impactante (Dark Horse é uma metáfora poderosa),
  • elenco reconhecível,
  • direção com histórico de filmes religiosos e políticos,
  • enredo dramático (eleições, atentado, conspirações),
  • um personagem real.

Era uma história pronta.
Pronta demais.

A checagem: quando a Narrativa não encontra o Mundo Real

Ao investigar a suposta produção, encontramos um padrão revelador: ausência total de registros oficiais.

Abaixo, uma tabela clara e direta com as verificações realizadas:

Verificação do Filme “Dark Horse”

Fonte / InstituiçãoO que diz?Status
IMDbNenhum registro de filme sobre Bolsonaro; há outro Dark Horse sem relação com política.❌ Não consta
TMDbEntrada colaborativa sem ficha técnica, direção, datas ou confirmação.⚠️ Não verificado
VarietyNenhuma nota sobre o projeto.❌ Não consta
Hollywood ReporterSilêncio absoluto.❌ Não consta
DeadlineNada publicado.❌ Não consta
Site oficial de Cyrus NowrastehNenhum projeto chamado Dark Horse.❌ Não consta
Bases de produção cinematográficaNenhum registro de financiamento ou pré-produção.❌ Não consta
Perfis oficiais de Jim Caviezel / Nowrasteh / VerásteguiNenhuma menção ao filme.❌ Não consta
Portal Leo DiasCitado por sites — mas NÃO publicou nada sobre o filme.❌ Falso
Sites brasileirosReplicam entre si a mesma narrativa não verificada.⚠️ Rumor

Em termos simples: não há qualquer prova pública de que o filme esteja em produção.

Quando a checagem revela um vazio factual tão grande, resta perguntar: como essa narrativa ganhou tanta força? É aqui que entra o papel da mídia.

O Papel da Mídia e a Responsabilidade na Era do Rumor

Se existe um elemento que alimenta o ciclo das fake news, esse elemento é a mídia — não apenas a grande imprensa, mas também blogs, portais, influenciadores, páginas de entretenimento e perfis que replicam conteúdo sem verificação. Na era da velocidade, publicar antes vale mais do que publicar certo. E é exatamente nesse vácuo que rumores como Dark Horse prosperam.

O problema não está apenas em inventar ou distorcer fatos. O problema está em amplificar.
Um site publica sem checar; outro cita aquele site; mais dois replicam a citação do segundo. Em poucas horas, cria-se uma cadeia circular em que todos parecem se referir a “fontes diferentes”, quando na verdade estão apenas reciclado o mesmo boato inicial.

A mídia, nesse processo, deixa de ser observadora e passa a ser coautora da ficção.
E isso não acontece por maldade — acontece por estrutura: pressão por audiência, algoritmos que premiam volume e não precisão, e um cenário em que “parecer notícia” às vezes importa mais do que “ser notícia”.

O resultado é um ruído permanente: manchetes que moldam percepções, trechos descontextualizados que circulam como verdades, e rumores que ganham mais tração que os fatos. Nesse ambiente, a responsabilidade da mídia não é apenas informar, mas também não deformar.

É por isso que boatos bem formatados se espalham tão rápido: porque encontram uma mídia fragmentada, ansiosa e, muitas vezes, desconectada das práticas básicas de checagem.
E esse cenário diz menos sobre política e mais sobre linguagem, símbolos e a forma como consumimos histórias hoje.

O Efeito Caviezel: Por que esse Boato pegou?

Mesmo rumores precisam de “sinais” que os tornem críveis.

No caso de Dark Horse, três elementos foram decisivos:

O ator certo para o mito certo

Jim Caviezel tem um histórico de papéis que misturam heroísmo com espiritualidade, além de opiniões públicas controversas — o que combina com narrativas polarizadas.

A estrutura narrativa perfeita

Uma cinebiografia de ascensão política sempre chama atenção. Funciona para fãs e para críticos — cada um atraído por motivos diferentes.

O contexto emocional

Vivemos em uma era em que qualquer notícia que reforce o que acreditamos — ou tememos — parece automaticamente plausível.

Fake News como Ficção Espontânea

A pergunta não é mais “como uma notícia falsa surgiu?”, mas “por que ela encontrou terreno tão fértil?”.

Fake news não se espalham porque parecem reais.
Elas se espalham porque parecem possíveis.

E porque preenchem lacunas emocionais:

  • curiosidade,
  • medo,
  • esperança,
  • validação,
  • ansiedade coletiva.

Cada pessoa compartilha por um motivo diferente.
E quando damos F5, a ficção já parece realidade — porque todo mundo está repetindo.

Este artigo não é político — é sobre Linguagem

É fundamental reforçar:
este texto não tem objetivo político.

O foco aqui é observar como narrativas se formam, como circulam e por que acreditamos nelas mesmo sem provas.

Se o personagem fosse outro — Lula, Trump, Madonna ou o Batman — o mecanismo seria exatamente o mesmo.

O que interessa é como um rumor se transforma numa história, como uma história ganha símbolos, e como os símbolos ganham força maior que os fatos.

Isso é semiótica pura.
Cinema puro.
Sociedade pura.

Então… Por que caímos em Fake News?

Essa é a provocação central deste artigo.

Não é porque somos ingênuos.
Ou porque somos ignorantes.
Não é porque somos manipulados.

Caímos porque somos humanos.

Porque histórias bem contadas são irresistíveis.
E símbolos falam mais alto do que dados.
Porque o que desejamos acreditar sempre chega mais rápido do que o que precisamos verificar.

E, no fundo, porque todo boato bem construído é apenas uma ficção esperando que alguém diga:
“baseado em fatos reais”.

Atualização – 11 de dezembro de 2025

Reportagens publicadas hoje revelam movimentações financeiras envolvendo empresas e entidades associadas à produtora executiva do suposto longa “Dark Horse”. Segundo veículos de imprensa, contratos públicos de grande porte — destinados à prestação de serviços como conectividade comunitária — foram firmados com empresas ligadas à produtora, e parte desses recursos circulou por organizações e pessoas que também aparecem conectadas ao projeto do filme.

Esses dados ampliam o contexto econômico em torno do caso e indicam que existe um ecossistema empresarial ativo envolvendo alguns dos agentes vinculados ao projeto.

Há indícios de fluxo de dinheiro em empresas que também estão envolvidas com o projeto, mas isso sozinho não comprova a existência cinematográfica do filme nem a sua conclusão.

Atualização – 11 de dezembro de 2025

Após a publicação original deste artigo, veículos internacionais de imprensa renomados, como Deadline e The Hollywood Reporter, e portais brasileiros renomados publicaram reportagens afirmando que Dark Horse está em desenvolvimento, com elenco, direção e registros de bastidores. Essas matérias indicam que há de fato um projeto em andamento.

No entanto, mesmo com essas notícias, a existência de um projeto anunciado não equivale automaticamente à comprovação de uma produção cinematográfica concluída nem satisfaz todos os critérios técnicos de produção formal que analisamos. Até que existam registros oficiais em bases industriais (como IMDb Pro com dados completos, registros sindicais e contratos de distribuição), a verificação permanece em andamento.

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Jerri
5 dias atrás

Caí na fake news sobre fake news dessa matéria. Embora Caviezel e o diretor tenham tentado esconder, achei o diretor no insta visitando o Brasil por locações meses atrás e um ator mexicano do filme tem o filme DARK HORSE em produção na sua filmografia no IMDB.

Alexandre
Alexandre
5 dias atrás
Responder para  Jerri

O tal do bolsonarista é uma praga mesmo.

Paranoid
Paranoid
4 dias atrás

E agora, campeão? Fake news em forma de checagem? Faça agora um artigo sobre a semiótica da paranoia da negação da realidade, convertendo tudo no mundo real, do qual não concordo, em fake news…
https://www.youtube.com/watch?v=ypxHo8NwKFQ

Zé Mentira
Zé Mentira
4 dias atrás

O filme já tem até trailer…
Apaga que dá tempo de não passar vergonha.

Rogério Godinho
Rogério Godinho
2 dias atrás

Realmente o autor foi afobado na publicação. Algumas coisas que ele aponta como essenciais já existem, como registros no IMDb.
Eu também achei esquisito que não só o filme não tinha página, como nenhum ator tinha registrado o projeto em seus perfis.
Mas tem uns 3 ou 4 dias que está tudo lá. Então o projeto é real e é bem provável que aconteça. O que tornou a manchete e o texto falso muito rápido, envelheceu muito mal.
Fica a sugestão de ter mais cuidado nas afirmações e na linguagem utilizada (há formas mais cautelosas de se dizer as coisas).
Enfim, tudo isso não é pra defender o filme. Tenho razoável certeza que será um vexame completo, nem pra Framboesa de Ouro vai servir. A ver.

Rogério Godinho
Rogério Godinho
2 dias atrás
Responder para  FABIO BONIFACIO

Fabio, o primeiro passo para ser reconhecido como uma mídia séria é reconhecer quando errou. A sua tabela virou um bingo da vergonha.

Portal Leo Dias:
https://portalleodias.com/noticias/dark-horse-vazam-primeiras-imagens-do-filme-sobre-jair-bolsonaro-saiba-bastidores

HR
https://es.hollywoodreporter.com/preparan-una-biopic-sobre-jair-bolsonaro-expresidente-de-brasil/

Deadline
https://deadline.com/2025/12/jair-bolsonaro-biopic-jim-caviezel-in-works-dark-horse-1236643145/

E não é só o projeto que está no IMDb. Cada ator e atriz já aceitou o projeto no seu perfil. Nowrasteh, Esai, Caviezel, está no perfil de todos eles. Você não acha que isso seria rapidamente corrigido em algum deles se fosse falso?
E comigo você não posso dizer que sou um militante defendendo politico. Bolsonaro é um criminoso que merece estar preso e precisa ser esquecido. Mas criar artigos falsos não vai ajudar nisso.

Última edição 2 dias atrás por Rogério Godinho
Rogério Godinho
Rogério Godinho
1 dia atrás
Responder para  FABIO BONIFACIO

Vale registrar que diversos veículos também noticiaram que um sindicato colheu depoimentos de atores que participaram das gravações (com denúncias de agressões e outras irregularidades). O que parece confirmar o projeto, além da credibilidade dos veículos que afirmavam que o projeto existia.
O meu objetivo aqui é defender a imprensa, que foi acusada de não fazer seu trabalho direito. Seria bacana ter uma correção dessa acusação grave.

https://satedsp.org.br/index.php/2025/12/04/denuncias-graves-atingem-set-de-filme-sobre-jair-bolsonaro/

Globo
https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/12/09/denuncias-em-set-de-filme-sobre-bolsonaro-incluem-relatos-de-agressoes-atrasos-no-pagamento-e-comida-estragada.ghtml